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Julia Campanucci

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

É coisa de quem ama...


Na primeira noite, o casal que se vê amando não dormirá de conchinha. A nudez não entregará o sono. Os pés não se cumprimentarão ao final.  As janelas não avisarão das horas. Os cabelos não irão boiar nos travesseiros até o amanhecer.

A primeira noite de amor, quando os dois percebem que podem realmente se querer, termina de repente.

Alguém terá que ir embora. Terá que cortar as frases inteiriças. Terá que oferecer uma desculpa furada. Terá que alegar que é tarde e que precisa trabalhar cedo. Terá que chamar o táxi de pé com uma objetividade perturbadora.

Quem se despede será grosseiro. Não esconderá o desconforto. A resposta física é que tudo deu errado, que o prazer não vingou na pele.

O que ficará sozinho na cama acreditará que o outro que se prontificou a se despedir no meio da madrugada se arrependeu do enlace e jamais manterá contato.

Mas o apaixonado e o indiferente são parecidos na primeira noite. O apaixonado se manda porque não suportou tanta beleza, encontrou-se atordoado, dependente, comovido, incerto, vacilante, receoso do seu futuro.

Não se preparou para viajar tão longe em seu desejo, estava vestido para atravessar apenas o tempo de uma noite. Não arrumou as malas de sua memória, partiu desprotegido com a roupa do trabalho.

Quando nos descobrimos amando, a primeira noite é terrível. Se você estava bêbado, logo recupera a lucidez — o amor é a mais cruel sobriedade.

Há uma instabilidade de escuta, uma confusão de conversa, um caos sinfônico. É como recuar um passo após um salto. Perde-se por completo o domínio do próprio gosto, vem a culpa de necessitar ainda mais do desconhecido e a curiosidade de adivinhar o que o sexo esconde em sua violência.

O homem de sua vida ou a mulher de sua vida não vai se apaziguar ao seu corpo e acordar junto na primeira noite. Isso é para os seguros de si, os confortáveis em seus sentimentos, os canalhas, os cafajestes, os sedutores.

Já aquele que pressente um amor de verdade, uma fé de verdade dentro do amor de verdade, abusará das mentiras para escapar do destino. Fugirá derrubando os olhos pelo corredor. Formará um amontoado de frases sem sentido, criará um depoimento qualquer para não alimentar esperanças, jurará com a mão errada sobre a Bíblia.

A primeira noite é própria da transformação covarde, é lua cheia ao lobisomem, é manhã radiosa ao vampiro.

O ímpeto é sair do quarto rapidamente, largar a cena prontamente, abandonar o casaco, a carteira, o que for, mas correr desse inferno que é se apaixonar e esperar uma notícia a cada meia hora. Afastar-se loucamente do cheiro poderoso do pescoço e da boca, da química prodigiosa que nos excita e nos corrompe de delicadeza.

Quem ama não ama na primeira noite. Assusta-se de amor.


Fabrício Carpinejar




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